Descobri há dias uns apontamentos sobre este acidente no meio dos meus imensos papeis...
Decidi nesse mesmo momento partilhar a tristeza, a alegria e a coragem de Homens...
O Mar, neste dia decidiu mostrar quem manda... quem pode...
Estávamos em Fevereiro de 1989... Princípio da noite... A chuva e o vento não davam tréguas... As barras na sua grande maioria, estavam encerradas, devido ao mau tempo.
A bordo do NRP Hermenegildo Capelo, (Fragata Hermenegildo Capelo), a guarnição, jantava depois de uma tarde e princípio de noite muito complicada... O navio encontrava-se fundeado ao largo de Cascais, tendo como cenário as luzes da cidadela e da baía. Aqui neste canto do oceano, consegue-se, enfim ter algum descanso, permitindo que a refeição seja feita de uma forma calma, recuperando forças, durante algum tempo.
Uma mensagem chega a bordo... Era necessário rumar a norte ao largo de Aveiro, para socorrer um navio que se encontrava em dificuldades... O mar acaba de pregar mais uma das suas partidas... Estava alterado ondas de 4 a 5 metros, ventos fortes varriam a costa, céu negro... A tripulação, alguns sem terminarem a sua refeição, "toma" os seus postos, e lá parte rumo a Norte, de forma a prestarem mais uma vez socorro. É o espírito de missão no seu aspecto mais nobre... Independentemente das condições de mar, este navio e a sua guarnição parte, apenas e só com um objectivo; tentar que o Mar não roube mais vidas. O navio cavalgava as ondas, o vento fazia sentir a sua força, "rugindo"... Os marinheiros na Ponte do navio, indiferentes a estas condições, rumo 350.
Cerca das 23:30, uma nova mensagem, um nova ordem: inverter rumo a fim do navio se dirigir a uma nova posição. Mais um navio estava em sérias dificuldades. Estavam em risco muitas vidas. Que Mar era este, que tentava a todo o custo ficar com vidas só para si?
Quem lhe teria feito mal ?
Os ventos fortes e a ondulação cavada, não permitia o descanso e a segurança da navegação.
Quem lhe teria feito mal ?
Os ventos fortes e a ondulação cavada, não permitia o descanso e a segurança da navegação.
Desta vez, um navio mercante de origem nigeriana, tinha uma avaria de máquinas. E sem máquinas, sem motores não é possível navegar e lutar contra as ondas...
Este navio estava em rota de colisão, a abater, para as escarpas do Cabo Espichel...
A ordem era inverter rumo de imediato... O Oficial de Quarto, depois de devidamente avisado o Comandante e o Imediato, dá a ordem...
- Bombordo leme... ouve-se uma voz a repetir a ordem - " Bombordo leme"
- Leme a meio, navega assim... novamente a mesma voz, como se de um eco se tratasse, repete - " Leme a meio, navegar assim... - e acrescenta - Leme a 180 ".
O Oficial de Quarto, acrescenta :
- Navegar a 180 - e o rumo de aproximação ao navio mercante, está marcado.
O NRP Hermenegildo Capelo, nageva agora para Sul, rumo 180 a 250 rotações...
O ruído que se ouvia, era bem representativo da dificuldade de navegar naquele dia, naquele mar. Mas a guarnição, que agora tinha outro objectivo, mantinha-se alerta e com total disponibilidade.
Cerca das 02:00 horas a FRACAPELO (Fragata Hermenegildo Capelo) avistou o navio em dificuldades... O Comandante do navio sinistrado tinha antes informado que mantinha azimute constante com o Farol do Cabo Espichel... Isto queria dizer que não iria passar "safo", isto é, estava a abater mesmo para as rochas daquele cabo, que se apresenta imponente, fazendo frente às ondas deste mar revolto... Nesta noite negra, apenas as escarpas do Cabo Espichel conseguem "quebrar" as ondas e a revolta do mar...
A guarnição da FRACAPELO, preparava todos os meios de evacuação das pessoas que se encontravam a bordo do navio sinistrado. O espírito de equipa e de missão estava presente na mente de cada um daqueles marinheiros. O negro da noite, as ondas e os ventos fortes, nada nem ninguém demovia estes homens de ir em ajuda daquelas pessoas em dificuldades. A FRACAPELO abanava como uma "casca de noz" naquele mar imenso e "raivoso". Ao largo do Cabo Espichel, com o seu farol a iluminar o rochedo, a indicar onde se encontrava mais um perigo, a FRACAPELO lutava contra a força dos "elementos". Poseidon certamente estava irado...tal era a forma como o mar fustigava os Homens.
Na FRACAPELO, na ponte, reinava a calma... Os homens que se encontravam na ponte tinham a experiência que lhes tinha sido dada pela vida no mar, ao serviço do país e de todos os outros homens que vivem do mar.
Comunicava-se via rádio com o mercante em apuros... Aconselhavam-se manobras de forma a permitir que o acidente não resultasse em tragédia. Tudo isto era feito com uma serenidade impressionante. A situação era grave.
Comunicava-se via rádio com o mercante em apuros... Aconselhavam-se manobras de forma a permitir que o acidente não resultasse em tragédia. Tudo isto era feito com uma serenidade impressionante. A situação era grave.
A FRACAPELO "pairava" na zona do acidente.
Cerca das 03:50 horas, ouviu-se via rádio que o navio mercante tinha encalhado... O mar, esse continuava revoltado com os Homens... Não dava tréguas... FRACAPELO, sob o olhar atento do seu Comandante, do seu Imediato e dos Oficiais de Quarto, manobrava de forma a recolher o mais rapidamente possível, os náufragos, resgatando estes das garras deste mar... Ninguém dormia ou descansava... Cerca de 200 homens, todos, com um espírito de equipa impressionante, lutavam no sentido de se retirarem os náufragos das águas revoltadas...
Pediu-se ajuda a um rebocador e a um salva-vidas, de grande porte... Todos eramos poucos para esta missão... Pediu-se também a ajuda de meios aéreos... Tudo o que fosse possível tinha de estar presente... De repente, é avistada uma embarcação com náufragos, proveniente do navio sinistrado... um pequeno "bote". Poucos minutos depois, mais outro "bote" é avistado... O mar continua a não dar um pequeno intervalo de acalmia... FRACAPELO, muito perto de terra, da escarpa do Cabo Espichel, aproxima-se de uma embarcação com náufragos... Agora sim, a tensão sentia-se na ponte... A calma, esta era necessária ser mantida, de forma a que as ideias dos marinheiros da FRACAPELO, não ficassem confusas... era necessário todo o sangue-frio, e a experiência destes estava a ser testada ao limite... O cansaço, esse não estava presente naquele navio da Marinha de Portugal... A aproximação à balsa, uma pequena balsa, foi feita, e foram resgatados 27 vidas, 27 náufragos, às garras do oceano... desta vez, o Homem tinha vencido...Mas apenas tinha sido uma "batalha"... A tragédia, essa ainda pairava no ar... pairava juntamente com a FRACAPELO, esta no mar...
A outra balsa, que tinha sido avistada, foi verificada... não tinha ninguém la dentro... estava junto à costa sem ninguém... o que teria acontecido às pessoas que estavam lá dentro ? Teria desta vez o Mar vencido ?
Foi avistado mais um náufrago... este na ponte do navio mercante, que estava quase completamente adornado e partido ao meio... um helicóptero, sobrevoou tentando avistá-lo para o recolher... O navio mercante estava agora na sua última morada, tinha deixado de lutar... estava afundado... O náufrago também não se via... O Mar tinha vencido mais uma vez...
A FRACAPELO tinha a bordo 27 vidas, 27 náufragos... A missão ainda não tinha acabado...
O sentimento dos marinheiros da FRACAPELO era um misto de alegria e de tristeza... afinal nem toda a gente tinha sido salva... Esta tripulção, estava exausta, mas não baixava os braços... era necessário terminar esta missão...
Cerca das 11:00 horas, novo pedido de socorro... Um navio com fogo a bordo... FRACAPELO, recebe ordem para ir prestar assistência... Ainda não havia terminado uma missão, já estes homens partiam para outra, com o mesmo espírito de missão e com a mesma força...Em direcção à Barra do Tejo,´a FRACAPELO galgava mais uma vez as ondas. O vento esse continuava a "rugir"... Mas agora a FRACAPELO ía ter uma ajuda... Um outro NRP chegava junto à FRACAPELO e permitia que esta rumasse à Doca de Marinha...
Faltava deixar em segurança aquelas 27 vidas...
Cerca das 15:50 horas, finalmente a FRACAPELO, era amarrada ao cais... O descanso deste navio de guerra tinha finalmente chegado... por quanto tempo? Ninguém sabia...
Os 27 náufragos, abandonavam a FRACAPELO... Não sabiam como agradecer... Um misto de tristeza por terem perdido entes queridos e amigos, confundia-se com uma imensa alegria de estarem vivos...
Mas os marinheiros da FRACAPELO, esses sabiam que o melhor agradecimento era, estas pessoas estarem vivas e em segurança, agora... Era esta a sua melhor recompensa...
Recordo-me de olhar para os rostos destes marinheiros, e não conseguir ver nenhum traço de cansaço ou exaustão... Afinal era esta a nossa missão...
Foi com imensa emoção que recordei estes dias...
Foi um exemplo de coragem e espírto de missão, de todos os que faziam parte da guarnição desta fragata. Desde o Comandante ao Grumete, todos estiveram sempre alerta... Foi para mim um exemplo de vida...
Foi com imensa emoção que recordei estes dias...
Foi um exemplo de coragem e espírto de missão, de todos os que faziam parte da guarnição desta fragata. Desde o Comandante ao Grumete, todos estiveram sempre alerta... Foi para mim um exemplo de vida...
Muito se escreveu sobre esta tragédia. Pode-se ler nos jornais da época :
" O Comandante do navio ( navio mercante nigeriano ), não quis abandonar o seu posto, encorajou a sua gente, clamando pela ajuda de Deus, consta da lista dos desaparecidos..."
" O Comandante afundou-se com o seu navio - Acto de Nobreza "
" A Fragata Hermenegildo Capelo, que navegava em direcção a Aveiro, virou de bordo e tentou mais do que a segurança permite neste tipo de embarcações: recolheu 27 sobreviventes."
Confirmo tudo o que está escrito eu estava presente e era um dos que estáva para ir para o bote numa tentativa desesperada de tentar salvar os restantes, até vir a ordem que ninguem ia para a água.
ResponderEliminarRui Silva C.M / L.A
FAIRES, não sei se te lembras mas antes disso ainda tivemos que abater um navio mercante que tinha adornado e tentar afundar os respectivos contentores para evitar mais umas tragédias,algo que foi deveras difiçil pelas condiçoes do mar
ResponderEliminarRui Silva CM / LA
Caro Rui Manuel, Recordo-me perfeitamente, porque nessa altura apanhei um dos maiores sustos. A ondulação era de "bordo" porque estávamos do lado de terra e uma das vezes pensei que a fracapelo adornava de vez... estava eu na asa da ponte. OK, mas afinal era um grande navio...
ResponderEliminarAbraço,
É verdade, eu quando conto certas coisas a pessoal amigo,eles dizem á e tal que fixe! mas ninguem consegue sentir tudo o que passamos,tanto nesses dias como em todos os outros de már,quem não andou no már não sabe o que é a mãe natureza.
ResponderEliminarAquele abraço companheiro
Rui Silva CM / LA